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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Dia dos namorados mascarado de carnaval


Domingo dia 14 de Fevereiro de 2010 e estão reunidas num só dia, duas ocasiões que repudio com todas as forças (para não dizer detesto e ficar com ar de menina mimada): Dia dos namorados e Domingo de Carnaval. Pois é! Quem ler com alguma atenção este blogue (que duvido bem que alguém o faça, uma vez que as pessoas têm coisas mais interessantes que fazer) há-de reparar com incredulidade talvez, que parece que odeio todas as épocas, visto o hino anti-natal que proferi acerca de dois meses. Mas não odeio por odiar. Há circunstâncias que assim o impõem.

Esta tarde, depois de almoço, estando eu fechada em casa em autêntica prisão domiciliária devido ao estudo para os exames, de volta de uma matéria capaz de provocar náuseas aos mais fortes, depois de um almoço rápido, perante a imperativa necessidade de tomar um café, saí de casa ainda ensonada e com ar chateado devido ao frio horroroso que me congela o cérebro já de si congelado.
Primeira chatice, a pastelaria onde costumo ir sempre (sou uma pessoa consistente e frequento sempre os mesmos lugares) estava fechada. Começando já a ficar irritada dirigi-me a outra mais próxima. Entrei ainda sem dar conta do cenário espantoso que me esperava. As cadeiras e mesas, colocadas normalmente ao acaso pelo espaço estavam artisticamente dispostas numa espécie de coração mal feito. Nas paredes, enormes corações de cartolina vermelha estavam escrevinhados em caneta azul com ditos espirituosos e românticos (a noite cai e o dia amanhece, só meu amor por ti não desaparece) que nenhum escritor teria algum dia tamanha imaginação de inventar. Sentei-me ligeiramente enjoada perante o casalinho da frente que de tão colado mal deixava perceber onde começava um e terminava outro e tive a infeliz ideia de ficar numa das mesas do canto, ao lado de um anjo feio que parecia ter sido um boneco chorão em tempos áureos e estava agora vestido com um tutu cor-de-rosa encimado por um nariz desproporcionado e vermelhusco.
Na minha mesa estava colado, com fita-cola grosseira, um coração mais pequeno com mais um dito espirituoso que me comoveu até ao enjoo (o único desafio a enfrentar no amor é o medo de amar) e copiado de certeza da internet. E enquanto bebia o meu café com ares de medo do vómito eminente, perante o ambiente escurecido, reparei que as luzes tinham sido revestidas por um papel de seda vermelho amarrotado.
Tão atarantada perante esta efusão de amor saí a correr da pastelaria, tentando pagar sessenta cêntimos com uma moeda de vinte mal enfrentando o ar chateado da empregada que de certeza escrevinhara os corações. E enquanto me dirigia ao mini preço mais próximo frustrada por este dia que faz sentir os pobres e tristes que estão sozinhos como eu e não têm perspectiva de companhia, ainda mais tristes e mais sós azedos com a vida, sem chocolates e flores, ditos românticos e noites escaldantes, dei-me conta que a cidade, na Avenida principal, estava repleta de vendedores de doces e balões, pipocas e algodão doce.
Ainda mal refeita do choque sem perceber que era carnaval, um bando de miúdos mal-educados, vestidos com fatos garridos de bruxos, princesas e coisas idênticas presenteou-me com um banho de serpentinas e fitas brilhantes que imediatamente se entranharam no cabelo devido ao vento horrível. Devido a este infeliz incidente desisti de ir ao mini preço comprar o pão e, depois de comprar uma regueifa com ar apetitoso, que um cigano sujo me pôs num saco, dirigi-me para casa praguejando entre dentes perante a efusão de balões e cores e corações nas montras.
Mas como a minha vida tem esta coisinha fantástica da ironia, antes de chegar à esquina de casa, dei de frente com um miúdo magro e sujo, sentado descalço, a tocar mal e desafinadamente um acordeão, tendo ao lado, um cão pequenino com um cesto na boca ainda com poucas moedas.
E perante o ar triste do pobre cão e as mãos roxas do pobre miúdo, porque para além de estar em prisão domiciliária fechada para exames, tenho coração de manteiga, despejei as moedas que tinha na carteira no cesto do miúdo e ofereci-lhe a regueifa que trazia no saco.

Resultado, cheguei a casa sem pão, sem regueifa, com o cabelo repleto de papéis coloridos que me sujaram o chão do quarto, com o estômago embrulhado de tanto amor oferecido nas montras e ainda com menos de vontade de estudar a treta que me obrigam. Liguei a televisão num derradeiro acto de esperança. Os canais de música passam músicas lamechas e românticas, os canais de filmes presenteiam-nos com comédias apaixonadas do século passado. Não fosse o canal da assembleia da república a passar a audição do ministro do trabalho, entraria de certeza em paranóia.

Porque é que ninguém se lembra de inventar o dia dos solteiros, viúvos, divorciados, separados-momentaneamente-mas-com-esperança-de-voltar, ou dos que estão a dar um tempo? Porque nós, que nos inserimos nessa categoria, já de nós frustrados e abandonados sentimo-nos ainda mais frustrados e abandonados perante tanto amor e saltitar pelo ar, mas que não nos é oferecido como prometem os cartazes espalhados por todo o lado.

Enfim! Esta conjugação de carnaval e dia dos namorados é sem dúvida das experiências traumatizantes da minha vida. Tanto como aquele ano em que na aldeia o meu pai e os vizinhos decidiram, num prenuncio de modernidade fazer sozinhos um desfile carnavalesco, enfeitando um tractor com grandes mimosas e vestindo roupas grossas e feias. Eu e a minha vizinha Mónica, amiga de infância com quem me disfarçava todos anos, fomos também, com máscaras de plástico e roupas velhas, com grandes sacos de farinha e uma animação mal contida. Desse dia quente só me lembro de acabar a chorar que nem uma madalena porque a meio do caminho, um homem bêbado que regressava a casa pôs-se à frente do tractor e ameaçou matar-nos a todos por lhe termos mandado farinha no cabelo.
Perante a risota geral dos homens que seguiam no nosso corso carnavalesco, eu chorei o resto da viagem, com medo do homem feio que ia matar de uma assentada o meu pai, os meus vizinhos e a minha melhor amiga. Ah como eu era triste!!!

Diante destas recordações e este dia infeliz, retomo novamente ao meu castigo e vou estudar com o sentimento azedo de estar sozinha sem coraçõezinhos e ditos bonitos. E confesso até que suportaria o anjo feio da pastelaria da frente se me fosse oferecido por um rapaz ardente e com olhos brilhantes. Aceitam-se currículos.

2 comentários:

  1. Fantástico Vera!!!
    Realmente... acontece-te cada uma!

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  2. É pah, não fosse eu uma pessoa comprometida e juro k mandava já o meu curriculo:)....nao devia era ser aceite,né?...bjinhus muitos bjinhus...com coranções poemas rascas e luzes vermelhas, verdes e amarelas...
    (nunca percebi porque é que o vermelho é a cor do amor...o meu amor é de todas as cores)

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